Páginas

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Hoje eu parei.

Muita gente pensa que no Canadá tudo funciona, que é tudo limpinho, que não tem pobreza.
Eu não esperava esse paraíso quando vim pra cá, mas confesso o leve tapa de surpresa infeliz que senti quando vi o primeiro mendigo pedindo esmola. Normalmente são idosos. Os jovens nessa situação, na maioria, saíram de casa por problemas com drogas, brigas com a família, gravidez inesperada ou qualquer coisa do tipo.
A diferença é que eles sabem ler e escrever e não tem a cara da miséria como a conhecemos, mas têm lá os seus motivos pra sentir fome. E sentem.
Hj eu saí do trabalho e e fui acertar umas coisas no banco. Na volta, entro no metrô e vejo uma cena curiosa para nós brasileiros:  
Uma senhora, com os seus mais de 50, vestida normalmente, calça jeans, casaco, tênis surrado e uma mochila, escrevendo a sua fome num pedaço de papel.

A gente costuma passar por estas coisas com o escudo da indiferença. Nossos problemas são sempre mais importantes. Dessa vez eu parei. Alguma coisa me endureceu as pernas e eu não consegui mais andar. Fiquei pensando naquilo, por que motivo ela estaria ali? A gente vê tanta coisa assim, não tem como ser pai do mundo. Mas por que dessa vez parecia tão difícil virar o rosto e me afastar?
Eu fui tentando endurecer o coração, me lembrei dos problemas que me esperavam em casa, fui seguindo o meu caminho e quando vi, ja estava la embaixo, esperando o metrô. La embaixo mesmo. Cada degrau que eu descia me fazia menor em sentimento e significado. Em 1 minuto o metrô chegou e as portas se abriram. Lembra de "Caverna do Dragão"? Sabe quando eles se deparavam com o portal de volta para Terra, mas sempre tinha alguém ferido no caminho e se eles entrassem teriam de abandonar aquela pessoa? Me senti daquele jeito. O sentimento era: "entra, vai pra casa, ser agraciado pela maciez do colchão quente, gozar do benefício do ter, e ser pisoteado pela certeza de não ser."

As portas se fecharam. E eu voltei. No caminho, o velhinho dos teclados me ajudou um bocado, tocando Sonata No 14 de Beethoven. Mais triste impossível. Parecia cena de filme. Quer ouvir pra sentir na pele?


Quando cheguei lá em cima de novo, fui me aproximando devagar (aqui as pessoas respeitam mais o espaço de cada um) e perguntei então se ela se importaria se eu comprasse uma fatia de pizza pra ela na lanchonete logo ao lado. Ela me olhou surpresa, sorriu numa timidez singular e não conseguiu esconder a água nos olhos. Pedi licença, fui rapidamente na lanchonete e comprei uma promoção de 2 fatias de pizza e um refrigerante. Quando eu voltei com o lanche, ela olhou pra pizza como se fosse a ultima do planeta. Perguntei se eu podia ficar um pouco e conversar com ela. Imagina você se o presidente te pedir pra sentar na sua sala e tomar um café, pois era bem assim, ela ficou olhando ao redor, pra ver se não tinha nenhuma sujeira no chão, afinal, estávamos do lado de algumas lixeiras. Me agachei ao lado dela e puxei assunto. Em questão de segundos, ela, com as mãos mais sofridas e sujas que eu já vi nessa vida, já tinha engolido a primeira fatia. A segunda ela me perguntou se eu me importava que ela guardasse pra mais tarde, então dobrou o pratinho com a pizza dentro e colocou-a na mochila. Eu perguntei o nome dela. Kim, a família dela veio da Inglaterra no fim do século passado, mas todos já haviam morrido, só tinha ficado ela e uma prima de 2o grau que nem a conhece direito, e mora em Toronto. Ela tem um filho que estuda, e vez ou outra, trabalha. Ele não sabe que ela fica pelas ruas. É sempre ela quem o visita, e faz isso muito raramente, ela disse que não pede ajuda a ele, pois não quer estressá-lo, pode? Conversamos por uns 20 minutos. No início ela pediu que eu não me chateasse por ela não sorrir muito, pois quando ela sorria, as pessoas não ajudavam. No final, as moedas que não vieram já estavam valendo menos do que a chance de bater papo, falar da vida, e ter um pouco de atenção. Nisso eu já estava sentado do lado dela, rindo e falando do Brasil, ela falando do Canadá, e sabe qual foi a sensação? De que eu tinha passado pro outro lado da parede. E ao invés de não enxergá-la, eu não me lembrava mais de que ali na frente passavam 100 pessoas por minuto, é como se eu estivesse na sala de estar, até me assustei quando um rapaz veio colocar 1 dólar no copinho dela. 
Uma hora ela me falou sobre a forma que as pessoas se fecham e sequer olham pra necessidade dos outros. Eu disse que as pessoas preferem fingir que não enxergam do que encarar uma realidade difícil. Enxergar a dor dos outros e não fazer nada dói mais do que fingir que não viu. Contei sobre uma propaganda de TV que vi, onde um cego que pede ajuda na rua, com uma simples mudança nas escolhas das suas palavras, consegue mudar a sua situação. Vale a pena assistir:



Sugeri a ela no lugar de "estou faminta, me ajude", que escrevesse "é um belo dia lá fora, queria poder aproveitá-lo". Ela abriu um sorriso enorme, e correu pra pegar uma caneta e um pedaço de papel todo rabiscado e sujo, e anotou.

De repente eu recebo uma mensagem no celular, quando eu tirei ele do bolso pra ver o que era, ela olhou com a maior cara de surpresa e perguntou: "nossa, que telefone é esse?", um iPhone, mas pra ela, era como um disco voador. Perguntei se ela queria tirar uma foto comigo, e pronto, ela terminou de abrir o sorriso. Com isso eu me despedi, desejei o melhor a ela, e disse que se encontrá-la novamente vou perguntar se a frase deu sorte. Vendo a foto agora eu percebo que a expressão de dor e solidão que encontrei ao chegar já não tinha mais lugar no rosto da senhora que deixei lá no metrô. (Não nego que a foto escondeu um pouco as rugas e imperfeições de uma vida nas ruas).

Isso aqui é lindo, é seguro, as pessoas têm direito a uma vida mais justa e equilibrada. Não é o céu. Como todos os lugares do mundo, têm lágrimas e sorrisos. Mas a cada vez que a gente se move pra fazer alguém sorrir, é no nosso peito que o sorriso se estampa. Ame quem menos parece merecer. Não espere nada em troca. Leve isso onde for, Brasil, Canadá ou qualquer outro canto, pois sentimento não muda por que é em português, francês ou inglês.



32 comentários:

  1. Igor, q gesto, incrível o q vc fez.
    Deveria ser nosso normal, se aproximar dos que estão necessitando, mas aqui no BR., fica difícil saber se é uma real necessidade ou alguém querendo tirar vantagem, ou se virá mais alguém e te assaltará... Esta dureza que acontece conosco,aqui provavavelmente com o tempo passará... Mas é necessário que permitamos a nós mesmos voltar a acreditar no ser humano.
    Bom ve-lo postar denovo
    Abçsss

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Igor!!!

    Confesso que meus olhos encheram d'água lendo teu relato!!!

    Abraço

    ResponderExcluir
  3. Voce fez meu dia hoje!!! lindo, parabéns!!!

    ResponderExcluir
  4. Nossa!!! Estou sem palavras p expressar tamanha experiência vivida por vc. Foi legal, humana, linda sua atitude e poder conhecê-la incrível p mim.

    Maria

    ResponderExcluir
  5. Igor, parabéns pelo seu gesto... me emocionei lendo seu post.
    Muita gente prefere ignorar o problema, ou ficar indiferente a essa situação.
    Fazer alguém sorrir, ajudar ao próximo, isso não tem preço. Se todos pudessem fazer um pouquinho, o mundo seria muito melhor. Isso faz bem não só para quem está sendo ajudado.
    Felicidades! Que Deus te abençoe.
    Monique
    http://vamosprocanada.blogspot.com

    ResponderExcluir
  6. Tiago Rossetti - RoSevenX27 de abril de 2012 às 07:13

    E agora? como fico com essa cara de choro no trabalho.
    Parabens!!

    ResponderExcluir
  7. Cara não te conheço, mas um dia Deus vai te dar um abraço por mim em agradecimento pelo coração bom que vc tem. Não posso te parabenizar mas dizer que o seu sentimento a essa atitude estava dentro de vc simplesmente colocou em prática. Mas agradeço por ter feito um ser humano feliz, msm que seja por um simples momento. Um gde abraço e espere as consequencias deste ato...

    ResponderExcluir
  8. Esta semana eu estacionei meu carro no sup. Walmart-Ceasa-SP-Brasil. Assim que sai do carro, ainda dentro do estacionamento, veio uma moça com duas crianças, me pedindo ajuda. Estavam com fome. Eu disse que não daria dinheiro, mas compraria algo para eles comerem. Ela pediu pão e mortadela. Disse para ela esperar, fui na loja e comprei um pacotão de pães, 2 litros de leite, 1 peça de mortadela e trouxe para eles. Lá estavam me aguardando e ficaram felizes. Eu fiquei mais feliz ainda por ajudar a matar a fome de alguém por 1 dia !!!

    ResponderExcluir
  9. Você é uma inspiração. Aqui a coisa é mais difícil, como você deve saber, mas somos conhecidos por dar um jeitinho em tudo, não é?

    ResponderExcluir
  10. Olá Igor! Excelente post cara! parabéns!

    Temos que admitir que a dureza do Brasil nos torna imune a essa realidade tão gritante daqui. Mas só o fato de você (um brasileiro) ter reagido de uma maneira diferente do que provavelmente agiria aqui, já demonstra que é possível alcançar o que todo imigrante almeja, potencial de mudança de vida e um lugar onde exercer a cidadania vale a pena.

    Obrigado pelos relatos!
    Abrs!
    Eduardo

    ResponderExcluir
  11. Que fofo! Que coragem pq é difícil nos expormos assim e deixarmos um incômodo no nosso coração calejado nos fazer repensar uma atitude, revê-la e, muitas vezes transformá-la:)

    ResponderExcluir
  12. Igor,
    Sou prima da Pam, moro em Brasília. Eu estou assistindo um lindo filme "O Solista" e no intervalo fui ler seu texto, no filme toca muito beethoven e fala exatamente de pessoas como essa senhora que vc conheceu, confesso que ler seu texto com a música que vc colocou fez toda a diferença e me emocionou. Parabéns por sua sensibilidade.

    ResponderExcluir
  13. Um dia,Igor, a gente chega, no outro vai embora, diz a canção.
    Eu nunca tinha dado ouvidos para essa sonata do Beethoven, embora muito tivesse dado aos gritos dos famintos, sobretudo por ter sido um, num dia desses na vida. O que aprendi com aquilo, foi que descemos num outro mundo, ondo a "normalidade" cotidiana, não nos percebe nem que gritemos aos berros. Porém, gritar, quando não se tem força para tal, incomoda nossos corações e inquieta a alma; então o silencio e o medo do mundo nos força a calar, submeter-se, e aceitar os diabos da mente, quando ninguém nos ouve. O que você fez, todos deveriam fazer. Não há que temer os mortos vivos; mas os vivos que estão mortos. Estes, encarregam-se de nos assustar com suas arrogâncias, avarezas e capetagens. A pobreza e a miséria, além de ser um problema social e, sobretudo, fraqueza humana, seja ela na pessoa em si, ou nos demais que a distinguem, como se todo o mal fosse, é ladeada como solução, a indiferença. Quem se indaga “como pode, num país rico, haver miseráveis?” Deveria se fazer a seguinte questão: Como pode num país pobre haver ricos? Talvez, deste modo entendessem a irrealidade cotidiana da fome. Caverna do Dagrão, não é nada mais do que a perda do elo entre nossa humanidade e nós mesmos, tomados pelos diabos Vingadores do que nós impedem de sermos mais humanos. Esta caverna, não tem diferença alguma da metafórica Caverna de Pratão, onde olha-se para sobras de si mesmo, negando a luz do Sol que nas frestas da vida há. O que vocês fez, neste dia, foi reparar uma dessas frestas, por algum instante. Com isto enxergou a luz do Sol.
    Abraços,
    Fabio Kaczmarski de Freitas

    ResponderExcluir
  14. Cara, eu nuca tinha visitado seu blog mas hoje eu fiquei extremamente emocionado com suas palavras. Você tem uma capacidade enorme de transferir os sentimentos mais sinceros para o texto. eu, como todos, fiquei emocionado com tudo o que li. Parabéns por sua atitude humana, Deus conhece o coração de cada um e ele viu como você agiu com humanidade e sobretudo o amor que ele enviou através de seu filho para nos mostrar:
    Em Mateus 25.35 nos deparamos com Jesus nos dizendo uma parábola que gerou alguma confusão, que Ele ainda complementa nos versos seguintes dizendo:

    Mt 25:

    Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
    Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
    E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
    E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
    E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”

    Parabéns Igor e que Deus conserve este seu coração admirável...

    ResponderExcluir
  15. Igor...parabéns pelo lindo gesto...Sabe, o que este mundo precisa é de mais amor e solidariedade!!! Um texto emocionante e muito sincero!!!! Um grande abraço..sua amiga Elaine Menezes

    ResponderExcluir
  16. Estou pensando também em escrever sobre a pobreza e miséria que vemos aqui no Canadá, pois muita gente não acredita que exista, gostei de seu post, vi e vivi algumas coisas próximas, e sim acho importante partilhar isto!
    Parabéns!

    Comecei um Blog a pouco ainda estou aprendendo a organizar, e gostaria de colocar seu blog como recomendo, não ria, mas ainda não sei como faz isso! =)

    Quando tiver um tempo visite:
    http://canadatotal.blogspot.ca/

    ResponderExcluir
  17. Igor, me emocionei muito com seu relato! Parabéns pela sua atitude e obrigada por compartilhar esse seu momento!
    Daniele

    ResponderExcluir
  18. Muito massa a sua atitude cara! Isso com certeza faz diferença na vida das pessoas!

    ResponderExcluir
  19. Parabéns cara, é a segunda vez que leio esse texto, hoje com a minha esposa e é a segunda vez que me emociono com o teu gesto.

    ResponderExcluir
  20. Muito importante, para todo mundo saber que a vida não é (e talvez nunca será) um mar de rosas...
    Sucesso, Igor!

    ResponderExcluir
  21. Parabéns! uma atitude, realmente, diferenciada!

    ResponderExcluir
  22. Oi Igor!

    Realmente fiquei emocionada com o que li, estou super sensibilizada com o q vc fez, isso foi incrível. Algo desse tipo muda nossa concepção de como vemos o mundo.

    Obrigada por postar no blog essa sua experiencia.

    Abraço,
    Gabriela

    ResponderExcluir
  23. Belíssimo relato, Igor. Passei por situação semelhante também no metrô de Montréal. Sim existem pessoas como essa por toda a cidade. E um dia eu também parei. Por que a gente fez isso pela primeira vez no Canadá? Por que a gente sabe que pode ajudar essas pessoas sem o risco de ser vítima da violência. No meu caso era um senhor tetraplégico, que passava o dia inteiro numa cadeira de rodas, na porta do Eaton Center (estação McGill, eu acho) pedindo esmola e se comunicando por um quadro magnético com algumas letras. Um dia parei e lhe perguntei pq ele estava ali. Me aproximei da sua dor. E trago essa lembrança em meu peito como o emblema da imperfeição da humanidade. Certamente, Igor, nossa atitude nos tornou mais humanos.

    ResponderExcluir
  24. Igor, parabéns pela atitude e pelo relato, sei bem o quanto é difícil e recompensante parar e compartilhar...

    ... mas a pergunta que não quer calar: afinal, no que deu a nova frase?

    Abraço!

    ResponderExcluir
  25. Simplesmente lindo! Tocou minha vida também. Obrigado!

    ResponderExcluir
  26. Que lindo post! Talvez o mais expressivo que eu tenha lido nos últimos anos. Essa mulher teve uma sorte imensa em ter te conhecido e quem sabe esse tempo que passou ao teu lado tenham mudado, pelo menos o dia sofrido dela. Parabéns!! Amei teu blog e vou continuar te acompanhando. abraços,Sandra/Brasil :)

    ResponderExcluir
  27. Parabens Rapaz, o que você conquistou é mais que merecido, você é uma ótima pessoa, um só gesto pode nao ser nada pra nós mais pra quem recebe é algo tremendo, quem sabe com esse gesto vc nao mudou a vida daquela senhora, talvez ela tenha pensado em suas palavras e vá atraz do filho 'chatea-lo' kkkk, quem sabe?!?! Felicidades e que Deus te Dê em dobro...

    ResponderExcluir